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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Os Cinco do Ciclo: um encontro entre a antiguidade clássica e os dias atuais


Recentemente terminei a leitura de "Os Cinco do Ciclo", de Elias Flamel. Faço aqui uma resenha sobre os principais pontos dessa interessante e original obra e sobre por que a recomendo. Como toda resenha, algum spoiler é inevitável, mas busquei reduzi-los ao mínimo, trazendo mais minha interpretação.

Em "Os Cinco do Ciclo", somos levados conhecer a rotina de uma pequena vila chamada Keltoi, liderada por Yosef, um líder humilde, que busca dedicar-se à vida comunitária e à sua família. Yosef é casado com Morgiana e teve com ela 3 filhos: os jovens adultos Hitalo e Yohan, e o temporão, ainda bebê, Julian. Keltoi vive basicamente do cultivo do centeio embora tenha também alguns outros produtos de grande valor: os derivados do centeio, como a cerveja, e árvores raras, de uma madeira nobre e avermelhada.

Trata-se de uma pequena vila, com aldeães pacatos, que buscam viver da terra em perfeita harmonia com seu ambiente. Mas Keltoi é também uma colônia de um grande império chamado Numitor. Sua conquista foi relativamente recente, ainda aos primeiros anos da liderança de Yosef. Como tributo, deve a Numitor uma fração de todo o centeio colhido. Yosef pessoalmente viaja à capital do império para entregar os tributos todos os anos.

Numitor é insaciável. Os tributos aumentam anualmente, exigindo mais sacrifício de suas colônias. Algumas revoltam-se. Essa é a vontade do filho mais velho de Yosef, Hitalo. Mas o pai teme as consequências da afronta à Numitor, e tenta continuar a pagar os tributos anuais. Numa dessas idas à capital do Império, Yosef ouve acerca de uma nova religião que se dissemina pelas terras de Numitor. Trata-se do culto ao Deus Único. Os boatos são desencontrados, mas sugerem que seus seguidores são fanáticos, que querem se impor aos demais cultos, nem que seja preciso destruir povos inteiros. Yosef teme que os seguidores do Deus Único logo cheguem a Keltoi e teme por seus familiares e liderados. Pois Keltoi possui um panteão de deuses, cinco para ser mais preciso, os chamados Cinco do Ciclo. Dizem que o próprio imperador de Numitor se converteu ao Deus Único, de modo que Keltoi e seu modo de vida correm perigo.

Ainda que impotente ante as situações do destino, Yosef tenta buscar ajuda para seu povo. Mas quem os ajudará? Quem se lembra de uma aldeia pequena, perdida no fim dos mapas do mundo? O que fazer quando o próprio imperador promove uma fé única? A história prossegue e ao fim o leitor é preparado para o advento de Hitalo, como o próximo líder de Keltoi, destinado a lutar pelos seus conterrâneos.



Elias Flamel é o pseudônimo de Wesley Nunes, um jovem autor brasileiro. Os Cinco do Ciclo é seu segundo livro.

Sua escrita é fluida e muito bem estruturada. Ao fim do livro, fica claro o planejamento global que o autor impôs, apresentando aos poucos Yosef e sua família, Yosef e sua vila, os deveres de Keltoi, o império e sua história, o conflito de culturas, a busca de Yosef e o advento de Hitalo, que prepara uma continuação. A história é toda narrada em primeira pessoa, pelo próprio Yosef.

O autor tem uma grande capacidade para descrever cenários; não de modo tedioso, mas sim vívido, cheio de ação cotidiana, que ajuda a transportar o leitor.

Um pouco de atenção permite perceber que o império é um clone da antiga Roma. E, de fato, vários povos estão lá: gregos, celtas, vikings, persas; todos subjugados por Numitor, que representa uma Roma Magna numa Terra Alternativa, em que as legiões da península itálica construíram um império muito maior do que aquele dos nossos livros de história.

Keltoi e Numitor, as duas localidades da história, formam uma dupla de opostos fundamentais: a colonia e o império; a vida comunitária e a metropolitana; uma produz e a outra espolia. Embora a dualidade seja a origem do conflito de opostos, ela é usada pelo autor para abordar questões muito mais atuais, como o imperialismo, a globalização, o fanatismo, o direito à terra e à liberdade. Isso não é feito de forma ostensiva, muito menos panfletária. São conceitos que flutuam tenuamente em nosso espírito, como consequência dos conflitos narrados na história, os quais também existem em nossa própria sociedade. A madeira vermelha das árvores de Keltoi lembra muito o nosso pau-brasil; o avanço implacável da fé no Deus Único me fez pensar na globalização promovida pelo império, que ataca e elimina a cultura dos povos colonizados. Ao fim do livro, tive a sensação de que Keltoi é aqui!

Em minha avaliação, o único ponto fraco, ou melhor a única coisa que me desagradou, foi que a personalidade de Yosef acabou muito contaminada pela dualidade da história, o que o tornou um personagem pouco cativante aos meus olhos. Dado a capacidade do autor para descrever situações, parece-me que esse problema não existiria se a história fosse narrada em terceira pessoa, libertando Yosef para que esse fosse um personagem dedicado aos seus conflitos e não o narrador.

Os Cinco do Ciclo está atualmente disponível apenas em versão digital e pode ser adquirido aqui.

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