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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Dois filmes e uma ideia

Quem conta um conto, aumenta um ponto. É o que diz o ditado. Nada mais verdadeiro acerca das histórias. Elas se fundem e se repartem, influenciando-se mutuamente em busca de novas expressões para representar velhos conhecimentos, tão antigos quanto a vida, que passamos adiante às gerações.

A História Sem Fim pode ter sido o catalisador que me instigou a escrever o Rei Adulto. Mas um elemento fundamental do cenário em que costurei a narrativa foi inspirado em dois filmes de gêneros bem distintos, ambos os quais apresentam uma sociedade composta apenas por crianças.

Quando comecei a escrever a história, tinha em mente uma sociedade algo que similar a das crianças perdidas do filme Mad Max 3 Além da Cúpula do Trovão (1985):


Neste filme, crianças abandonadas após uma guerra devastadora unem-se numa espécie de tribo, dividindo entre si as diversas tarefas típicas de adultos, cuidando uma das outras, enquanto se seguram a uma lenda acerca de um salvador vindouro.

Inicialmente, imaginei um contexto em que o protagonista viria de uma região fronteiriça abandonada pelos adultos, lideraria um grupo de aventureiros imaturos como ele e demonstraria seu valor ao matar um dragão que ameaçava uma cidade distante, esta sim habitada por adultos.  Como expliquei noutra postagem, essa ideia inicial não se desenvolveu muito bem e transmutou-se para uma representação mais alegórica do processo de amadurecimento, seguindo um típico mito do heroi.

Apesar disso, elementos desse cenário persistiram no início da narrativa: a cidade inicial Baltar fica numa região fronteiriça a um deserto; e logo no começo da história somos informados que as crianças ao crescerem deixam aquele mundo: "eles se vão", como é dito ao protagonista, o qual chega inclusive a adquirir uma adaga especial contra dragões, na feira de Baltar, por precaução quanto ao que sua jornada o fará encontrar.

A ideia de uma sociedade composta apenas por crianças levou-me a considerar descrever o próprio mundo infantil em si mesmo, aquele que se desenrola na imaginação de crianças, por cujo olhar ele seria a tradução do mundo real.

O tom apropriado para essa sociedade veio, todavia, de outro filme: Quando as Metralhadoras Cospem (1976). Essa produção inglesa mostra uma história de gangsters nos anos 20 encenada integralmente por crianças. As situações típicas da vida adulta são adaptadas à infância e o resultado é magistralmente divertido: as armas dos bandidos e mocinhos disparam bolas de pingue-pongue e tortas, os automóveis são meras carcaças movidas a pé, que lembram os carros dos Flintstones.

No Rei Adulto, essa graça e leveza de Quando as Metralhadoras Cospem se misturaram à representação de sociedade independente das crianças de Mad Max 3 e o resultado é um mundo de fantasia mítica, em que as flechas têm ventosas nas pontas ou trouxinhas de pó de mico, os bacamartes disparam rolhas, os malandrinhos apostam alto no jogo do bafo-bafo, as paredes dos palácios reais são decoradas com creiom e aquarela, entre outros.

Caso nunca tenha assistido Quando as Metralhadoras Cospem, não se faça de rogado (a versão dublada em Português foi deletada do YouTube após a publicação do artigo; substituí-a pela versão em Espanhol):



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